Anita MonteiroVocê pega seu celular logo cedo, abre o app da corretora ou da sua carteira de investimentos — e a surpresa: tons vermelhos dominam a tela. O Ibovespa fecha em queda, a cotação do dólar sobe, e notícias na imprensa falam em “derrota política”, “rombo fiscal” e “reação negativa externa”. É o tipo de manhã que muitos investidores esperavam evitar, mas que vinha se desenhando nos bastidores.
Na quinta-feira, 9 de outubro de 2025, o Ibovespa recuou 0,31 %, fechando aos 141.708,18 pontos. Simultaneamente, o dólar subiu cerca de 0,58 %, fechando a R$ 5,375.
Esses números são “moderados” se comparados a dias de forte turbulência, mas escondem uma carga de tensão política, fiscal e econômica acumulada nos últimos meses — e que se materializou justamente nessa data.
Para entender por que o mercado reagiu assim, vamos desfazer o nó: ação por ação, notícia por notícia, exemplo por exemplo.
O ponto de partida dessa crise intensa (e visível na Bolsa) é a derrota do governo no Congresso sobre a MP 1.303/2025. Essa medida provisória tinha como objetivo tributar investimentos e operações financeiras, como forma de gerar receita extra para o governo — algo considerado necessário para o equilíbrio fiscal de 2026.
Alguns dias antes, em 8 de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou um requerimento da oposição e retirou de pauta a MP 1303/2025. Ou seja: a proposta deixou de ser debatida e votada no momento programado, gerando dúvida sobre sua viabilidade futura.
Para muitos investidores, isso soou como um recuo do governo, uma incapacidade de articular sua base política, e um sinal de que nem medidas consideradas “moderadas” passam no Congresso. Em outras palavras: se não passa algo relativamente “leve” como uma MP de tributos financeiros, como aprovar reformas mais estruturais?
Além disso, a derrota da MP expôs um rombo fiscal estimado em mais de R$ 30 bilhões, segundo análises, justamente porque o governo contava com essa arrecadação para fechar as contas em 2026.
Esse tipo de derrota tem efeito direto sobre o mercado: eleva o prêmio de risco do Brasil, faz investidores exigirem taxas de retorno maiores para compensar o “perigo” de investir por aqui, e amplia o temor de que medidas essenciais para contenção de gastos ou reformas fiquem emperradas.
A partir desse episódio, o mercado já começou a precificar piora fiscal e maior incerteza política.
A derrota no Congresso foi como uma fagulha. Outros elementos foram o combustível que alimentou a reação negativa do mercado em 9 de outubro. Vamos examinar:
A alta do dólar para R$ 5,375 (alta de 0,58 %) não foi um detalhe — foi parte da pressão que moldou o dia.
Quando a moeda americana sobe, duas reações naturais ocorrem:
Num cenário já tenso, esse movimento cambial atua como catalisador de inquietação.
Outro dado a pressionar foi o resultado do índice de preços ao consumidor: o IPCA de setembro subiu 0,48 %. Embora possa ter ficado dentro das projeções de alguns analistas, o número reforça que a inflação ainda não cedeu da forma esperada. Isso alimenta a expectativa de que juros permanecerão altos no Brasil.
Juros altos, por sua vez, tornam investimentos em renda fixa mais competitivos e reduzem o apetite por risco em renda variável — ou seja, “tiram” dinheiro de ações.
Dentro do índice Ibovespa, empresas de grande peso, como a Petrobras, acabaram sofrendo neste dia. Quando papéis de grandes empresas sofrem, é comum que toda a Bolsa “arraste” junto — mesmo que outras empresas não tenham motivos tão intensos para cair.
Imagine que você está em um barco puxado por motores grandes e pequenos — se o motor principal falha, o barco inteiro perde velocidade.
Importante observar que não foi um movimento instantâneo. De manhã, a Bolsa chegou até a abrir com alta: investidores reagiam inicialmente à expectativa de que a MP poderia ser votada, ou que haveria ajustes que minimizassem o impacto.
O Ibovespa alcançou variação positiva, chegando a subir 0,75% nos primeiros momentos, tocando 142.345 pontos por volta das 10h30.
É o famoso “efeito de esperança”: enquanto existe expectativa de solução, parte do mercado tenta surfar a retomada.
Mas, pouco depois, o ceticismo se impôs: ao longo da manhã, as incertezas políticas pesaram, e o índice começou a ceder. Com o passar da sessão, as atitudes defensivas tomaram conta — e a trajetória virou para o negativo.
Esse tipo de oscilação — alta inicial seguida de recuo — revela algo básico, mas importante: mercados reagiram não apenas a fatos já consumados, mas também a expectativas frustradas.
Você pode reparar: nos relatos de notícias, frequentemente se fala que as ações bancárias “afundaram”. Isso não é coincidência — o setor financeiro tende a sofrer com mais força em momentos de crise política ou aumento de risco. Por quê?
Assim, quando há ruído político — como o recuo da MP 1303 — as ações dos bancos tendem a sofrer mais do que setores “mais estáveis”.
Não adianta pensar que todo o problema está “interno”. Na economia globalizada, eventos externos frequentemente amplificam crises locais:
No caso do Brasil, mesmo que estivesse tudo “perfeito” por aqui, uma parte da queda teria origem nas expectativas externas e no comportamento global de investidores.
Quando você manda esse texto ao blog, convém terminar com uma reflexão para quem acompanha o mercado — seja investidor ocasional ou entusiasta de notícias econômicas. Aqui vão alguns possíveis rumos:
Se o governo conseguir apresentar uma nova versão da MP, com apoio político razoável, ou aprovar medidas que acalmem o mercado (cortes, ajustes), parte do capital pode voltar. O mercado talvez “teste o fundo” e suba um pouco. Mas esse tipo de virada exige sinceridade, consistência e compromisso.
Nas próximas sessões, é provável que vejamos dias de recuperação seguidos por quedas repentinas. Oscilações amplas e imprevisíveis tendem a predominar até que haja um consenso claro sobre rumo político-fiscal.
Segmentos menos sensíveis ao ciclo econômico ou menos atrelados à política (alimentos, distribuição básica, algumas utilities) podem “sofrer menos” — ou até performar melhor que o mercado como um todo em momentos de turbulência.
Empresas que dependem fortemente de crédito externo ou nacional, ou que já estão mais endividadas, serão vulneráveis caso juros permaneçam elevados ou pior ainda, caso o crédito aperte.
Quem acompanha mercados intensamente vai prestar atenção especial a:
Imagine João, um investidor comum que acompanha o mercado pelo celular entre o café da manhã e o trabalho. Na quarta-feira, 9 de outubro, ele lê que a MP 1.303 pode finalmente ser votada e decide manter suas ações — afinal, o clima parecia otimista. Por volta das 10h30, vê o Ibovespa subir e pensa: “dessa vez vai”.
Mas, depois do almoço, as notícias mudam de tom. A votação é adiada, o dólar dispara, e as manchetes falam em derrota do governo. João assiste ao saldo positivo evaporar. O entusiasmo vira cautela — e ele vende parte da carteira antes do fechamento.
Histórias como a de João se repetem todos os dias em momentos de instabilidade. O investidor médio não reage a planilhas macroeconômicas, mas a sentimentos: confiança, medo, incerteza. E é justamente essa psicologia coletiva que transforma derrotas políticas e dados econômicos em movimentos bruscos na Bolsa.
A queda de 9 de outubro não foi um blecaute repentino — foi a cristalização de tensões políticas, fiscais e econômicas acumuladas. A derrota da MP 1303 no Congresso foi como uma faísca, e uma série de fatores como câmbio mais alto, inflação resistente, reações negativas de grandes empresas e o clima global de risco empurraram o mercado para baixo.
Para quem investe ou analisa finanças, o alerta é claro: a estabilidade política e a credibilidade fiscal importam tanto quanto os dados econômicos “friamente calculados”. Uma falha de articulação, uma medida impopular rejeitada, uma sinalização negativa — tudo isso é capaz de contaminar o mercado rapidamente.
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